terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

CONFORME O QUE FOI COMBINADO AQUI ESTÁ A TERCEIRA E ÚLTIMA PARTE DO CONTO," FRAGMENTOS DO VIDRO DE PERFUME QUEBRADO":

Desejou saber o que enxergavam lá do alto as gaivotas e teve vontade de voar com elas.

Do sonho vieram as plumas e em mergulhos rápidos molhava-se na água de tantas cores para de novo alçar voo a respingar tinturas nas nuvens. Buscava ora a luz no céu aberto, ora o oceano deserto na linha do horizonte se encurvando e apreciava o cenário que se desfazia no final da paisagem, visão que ao nível do convés nunca poderia ter tido. Flanando entre tantas rotas e sem a vivência de pássaro experiente, em meio à amplidão do vazio, cercado pela revoada de seus pares, espairecia a flutuar com as asas distendidas e acomodadas sobre o imenso nada, entre o azul do céu e o tom esmeralda do mar. Em pleno voo, observava em silêncio o planeta, na paz daquele instante. Vagueava assim, buscando notícias sobre os mistérios da convivência no que via, apenas a plainar sob e sobre nuvens ao sabor da brisa e entregue, quando de subito foi atropelado de frente, por um extraviado parceiro alado de porte superior, apagando-lhe a luz. De repente se fez noite onde antes brilhava o dia, e zonzo, o pássaro em que se transformara, no faz-de-conta da história, terminou por cair desfalecido, do céu ao convés do navio, o mesmo de onde havia partido para aquela aventura, que não terminava ali. 

Sentiu dor na asa ofendida enquanto voltava ao que era antes de iniciar seu voo de estreante, decretando um fim para a sonhação, como ficou entendido. Seguia avante e em meio ao pranto aguardava a derradeira lágrima a chorar, desde o início mais rebelde que as demais, a lhe brotar no centro da fronte. Era daquela forma que alimentava o oceano, mesmo sabendo por experiência própria o que vinha a ser o sentimento da dor, pois, já havia sido magoado por ela. Foi então que o fio úmido, agudo e intenso fluiu lento e sanguíneo.
Descia-lhe pela testa o fino traço líquido, morno e afiadamente encarnado.

Caía como se fosse independente, lá ia ele escorrendo a lhe cobrir o nariz e continuar cara abaixo até colorir os lábios, e ao vazar por entre eles, tingir-lhe a língua, indo por fim, encharcar-lhe a boca.
Experimentou a cor, a textura e o sabor do próprio sangue a renegar o adocicado.
Pouco depois refeito, precipitou-se ao espelho redondo onde - sob o impacto da dor e impotente -, pode acompanhar o temporão ir inexistindo lentamente, com olhar solidário e fraterno. E lá ia ele, o breve terceiro olho sendo consumido. Secando, perdendo o viço, se apartando, para acabar-se ao fim. Impotente, assistia fugir mais uma vez a pouca luz que ainda lhe restava.
Sem nunca acordar do sono profundo e totalmente exangue, o terceiro olho desviveu em seu último suspiro, deixando de enxergar para sempre. Desfazia-se em silêncio, restando só a ferida que preservava recuerdos do que havia assistido resplandecer em sua passagem pela irrealidade. Era uma cicatriz na fronte, que ele acariciava a sentir saudade da emoção nunca antes revivida.

O mar se acalmou e as cortinas aquietaram as barras no tapete colorido do oceano.

Acabrunhado abandonou o quarto espaçoso dos pais e, ao se afastar, procurou ainda uma vez por ele mesmo no espelho arredondado. Queria entender as razões da aventura em que perdera seu breve e bravo terceiro olho, que durante o voo de estreia acabou sendo vazado pela ponta do bico afiado de um pterodátilo em meio à revoada, surgido do sonho ou do pesadelo, quem diria

Daquela aventura restou o aroma inesquecível do perfume de um vidro quebrado.

Com o fim das férias, os filhos que ajudam nessa impressão diária do blog se foram cada um para seu canto e minha máquina impressora ficou seriamente desfalcada, como se pode ver pela desordem do meu texto. Vou tentar manter a publicação por mim mesmo. Termina aqui o primeiro dos contos que compõem meu livro "Vide&Verso. Amanhã nos falamos, quem sabe?

FIM











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