domingo, 5 de fevereiro de 2017

CONFORME O COMBINADO, AI VAI A PARTE INICIAL DO CONTO:

FragmentosdoFrasco dePerfumeQuebrado

Seu pai Bento era filho de Bento e ao ser
batizado recebeu como nome o de Bento Neto.

O menino foi apresentado ao mundo e começou a observá-lo da varanda do sobrado situado na praça central da cidade na encosta dos montes, cercada de serras e distante do mar. Corria o fim da metade inicial do último século do milênio e o jovem personagem não sabia ainda atinar com os sentidos da razão, quando pela primeira vez percebeu vazios no entendimento. Por motivos que apenas sua mãe poderia explicar, ela deixava o cabelo dele crescer sobre a testa, até a altura das sobrancelhas, e quase sempre os escondia sob um boné, a não permitir seu filho de fronte à mostra, exposto aos olhares constrangedores.
Quando saíam a passear, sem contar hora ou temperatura, levava a boina - usual para meninos, nos tempos em que era um deles -, casquete azul escuro entuchado na cabeça e prendendo o cabelo 
qual franja em toda volta, parecia um índio aos cabelos ondulados e negros.  Ao contrário da maioria dos outros meninos, não tinha jeito para manusear brinquedos, sequer intimidade com a bola.
Um dia, sozinho - o que raro acontecia - e, mais, esquecido no quarto de pé-direito alto, cheiroso, limpo e amplo, aonde os pais passavam as noites às portas trancadas, ele se distraia com os frascos de perfume da coleção de sua mãe e com eles brincava, atrevendo-se a abri-los com o fim de experimentar o verdadeiro cheiro de fragrâncias estrangeiras, das quais tanto se falavam e que talvez e de fato, nem existissem, conforme afirmaria um dia o verso do poeta.
Os frascos tinham desenhos originais a reproduzir formas e imagens que o encantavam.
  
Enquanto os manuseava, levado pela emoção ou imperícia, um deles, aproximado ao formato de um pássaro, escapou-lhe da mão ao alçar voo e se espatifou inteiro sobre o aparador de granito polido do móvel, reduzindo-se a um monte de farpas, agressivos reflexos espelhados e espalhados na desordem. O descuido dele enchera o vazio com a fragrância do perfume deixado no rastro das finas farpas, a rebrilhar ameaçadoras na trilha. O espelho redondo a lembrar um fundo de cisterna, permanecia como 
testemunha principal da imprudência a refletir o que acontecia na intimidade dos pais, como um grande disco formado e cercado pelo anel da moldura dourada que encerrava a eternidade.
Ainda assustado, Bento abaixou-se para recolher os fragmentos do vidro de perfume e em ágil movimento - normal para os meninos da idade dele - volteou-se a encontrar com seu reflexo no redondo de cristal, divisando a si mesmo no relembrar de um átimo. Não era tudo, pois buscava ainda um lugar onde, escondendo os cacos, conseguisse adiar as consequências de sua traquinagem.
- “Mais tarde, livre do sufoco, procuraria refúgio melhor para guardá-los e tudo bem ”.
A CONTINUAR AMANHÂ

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