CONFORME O COMBINADO, AI VAI A PARTE INICIAL DO CONTO:
FragmentosdoFrasco dePerfumeQuebrado
Seu pai
Bento era filho de Bento e ao ser
batizado recebeu
como nome o de Bento Neto.
O menino
foi apresentado ao mundo e começou a observá-lo da varanda do sobrado situado
na praça central da cidade na encosta dos montes, cercada de serras e distante
do mar. Corria o fim da metade inicial do último século do milênio e o jovem
personagem não sabia ainda atinar com os sentidos da razão, quando pela primeira
vez percebeu vazios no entendimento. Por motivos que apenas sua mãe poderia
explicar, ela deixava o cabelo dele crescer sobre a testa, até a altura das
sobrancelhas, e quase sempre os escondia sob um boné, a não permitir seu filho
de fronte à mostra, exposto aos olhares constrangedores.
Quando
saíam a passear, sem contar hora ou temperatura, levava a boina - usual para
meninos, nos tempos em que era um deles -, casquete azul escuro entuchado na
cabeça e prendendo o cabelo
qual franja
em toda volta, parecia um índio aos cabelos ondulados e negros. Ao contrário da maioria dos outros meninos,
não tinha jeito para manusear brinquedos, sequer intimidade com a bola.
Um dia,
sozinho - o que raro acontecia - e, mais, esquecido no quarto de pé-direito
alto, cheiroso, limpo e amplo, aonde os pais passavam as noites às portas
trancadas, ele se distraia com os frascos de perfume da coleção de sua mãe e
com eles brincava, atrevendo-se a abri-los com o fim de experimentar o
verdadeiro cheiro de fragrâncias estrangeiras, das quais tanto se falavam e que
talvez e de fato, nem existissem, conforme afirmaria um dia o verso do poeta.
Os frascos tinham desenhos originais a reproduzir
formas e imagens que o encantavam.
Enquanto os manuseava, levado
pela emoção ou imperícia, um deles, aproximado ao formato de um pássaro,
escapou-lhe da mão ao alçar voo e se
espatifou inteiro sobre o aparador de granito polido do móvel, reduzindo-se a
um monte de farpas, agressivos reflexos espelhados e espalhados na desordem. O descuido
dele enchera o vazio com a fragrância do perfume deixado no rastro das finas farpas,
a rebrilhar ameaçadoras na trilha. O espelho redondo a lembrar um fundo de cisterna,
permanecia como
testemunha principal da
imprudência a refletir o que acontecia na intimidade dos pais, como um grande
disco formado e cercado pelo anel da moldura dourada que encerrava a eternidade.
Ainda assustado,
Bento abaixou-se para recolher os fragmentos do vidro de perfume e em ágil
movimento - normal para os meninos da idade dele - volteou-se a encontrar com
seu reflexo no redondo de cristal, divisando a si mesmo no relembrar de um átimo.
Não era tudo, pois buscava ainda um lugar onde, escondendo os cacos, conseguisse
adiar as consequências de sua traquinagem.
- “Mais tarde, livre do sufoco, procuraria refúgio
melhor para guardá-los e tudo bem ”.
A CONTINUAR AMANHÂ
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