quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017


AQUI SEGUE A SEGUNDA PARTE DO CONTO "Homem dentro do poste":

Era por volta de quatro da manhã quando o telefone tocou, ao alcance de sua mão. 

-“Alô mamã! Sabe que são quase quatro horas da manhã e que aqui quem fala é Romualdo Assunção Neto, seu inesquecível filhúnico? ”

-“Alô meu únicofilhote. Até aqui não sabia, filhamado, mas por seu intermédio acabo de ser informada sobre as horas, o que é bom, não é, filhoquerido?”

-“Amadamamã tenho uma novidade para te contar. Estou prisioneiro em um poste na Praça da Liberdade. Me pegaram viu? A mim e ao paradoxo.”

-“Prisioneiro dentro de um poste? Na Praça da Liberdade? Que infelicidência, meufilho! ”

-“Pois é, mamãzinha. Dessa vez me levaram sem nenhuma resistência e se disserem que agredi alguém não acredite. M’irritei, perdi a paciência e a liberdade nessa malfadada madrugada de agruras.

Mamã, eles não são confiáveis, ouça bem ai, ó: -Morte aos filhos da puta, viu? ” 

Disse ao se despedir, descontrolando o gênio agressivo na explosão que revelava dúvidas há se multiplicarem em sua vida há tanto tempo, que até mesmo o esquecimento já não as apagariam.

Questões sobre o instinto de mãe que, lento, voltava a pulsar no seio certo e firme, naqueles instantes. 

Segunda parte: AMANHECER DE UM DIA ESPECIAL 

O dia foi surgindo ensolarado acordando-o antes das oito da manhã, o que raramente ocorria, pois preferia dormir até mais tarde.  Levou a mão ao rosto e esfregou os olhos para conseguir perceber melhor o sol a rebrilhar no lado de fora, na manhã outonal. A luz reduzida chegava-lhe pela fenda circular, na extremidade do poste. A posição não era cômoda e doía-lhe do lado esquerdo. Lembrou-se que em certo momento - ao revirar o corpo no meio do sono - deu forte com o cotovelo na parede interna do cubículo onde fora feito prisioneiro, justo no calombo da emenda das peças com as quais se compõe a cela onde estava, soldando as duas metades a fim de completar o poste inteiro. Naquele instante procurava apenas a posição mais confortável para se sentar e, conservando o paletó, afrouxou o nó da gravata deixando-se, durante alguns minutos, a cismar. Pouco depois o barulho de passos chamou sua atenção. Em seguida, através da portinhola cravada no centro da porta feita em chapa de metal e meio enferrujada com a pintura descascando, ele se punha frente a expressão amarrotada do gordo carcereiro a falar com o sorriso sadomasoquista na cara embexigada do homem que se chegara.

-“Bom dia, seu guerrilheirico de merda! Dormiu mal? ” Perguntou sem pedir resposta,

-“Dormir? A lombar me dói e não entendo por que, só sei que ontem não houve briga. ”

-“O aposento não é grande e nem muito confortável, mas a localização é de muito boa qualidade. Aliás e de fato, a vizinhança é até boa demais para sacanas que nem você e fica no centro da metropole, em praça tradicional, tão perto da igreja matriz que daqui dá para ouvir o sino tocar! ”

Disse aquilo e afastou a careta, deixando a bandeja de lata amassada com pão e chá de boldo, em seu lugar. Era o café da manhã. Enquanto Romualdo recolhia a refeição, a voz do homem:

-“O desjejum é modesto, mas é tudo muito limpo, pois só o responsável pode cuspir. T’as com sorte,  que hoje ele - baixinho e estrábico - folgou pela manhã. Bom demais até mesmo para um comunistinha sem vergonha, que nem você, n’é mesmo, “seu filho de uma leitoa? ”

Concluiu sussurrando com trejeitos e seguiu em frente, deixando ameaças no ar.

Antes de tudo, a ausência de coragem ameaçava complicar ainda mais o imbroglio.


Terceira parte: CONJUNTO PURO DE CONCLUSÕES



Calmamente, enquanto refletia sobre as dúvidas daquela madrugada, passava geleia de morango no pão kocher. Era a sua geleia predileta. A mesa florida se mantinha farta, bem servida e generosa. Lembrou-se da figura amável do falecido, seus maneirismos e o modo carinhoso de tratar qualquer questão, de A a Z. Ar compreensivo a falar-lhe sobre negócios, quando enfrentava sua expressão espantada, sem entender noções elementares sobre custo & benefício, renda, lucro ou mais valia.

Enquanto saboreava o pão com geléia, duas lágrimas inesperadas lhe rolaram pelo rosto e foram salgar o adocicado dos morangos. Em movimento delicado evitava o choro iminente, chegando o guardanapo de linho na face de pele bem tratada. 

Sobrava acima da toalha rendada, no outro lado da mesa, a parte superior dos espaldares vazios. 

Um, o do assento do filho, o outro, parte da cadeira do falecido. Jarras de prata com suco e água rebrilhavam sobre a mesa e refletiam em dobro o rosto ainda fresco da viúva recém estreada no oficio, currículo novo a ter inicio.

Se a mesa estava bem servida, se seu semblante seguia fresco apesar dos anos, se o sol atravessava o cortinado de vual agitado pela brisa, era por conta da generosidade e do senso comercial do falecido. 

Passamento daquele, enriquecimento desta. Outras duas lágrimas rolaram cristalinas.
CONTINUA AMANHÃ, até lá.

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