AQUI SEGUE A SEGUNDA PARTE DO CONTO "Homem dentro do poste":
Era
por volta de quatro da manhã quando o telefone tocou, ao alcance de sua
mão.
-“Alô
mamã! Sabe que são quase quatro horas da manhã e que aqui quem fala é Romualdo
Assunção Neto, seu inesquecível filhúnico? ”
-“Alô
meu únicofilhote. Até aqui não sabia, filhamado, mas por seu intermédio acabo
de ser informada sobre as horas, o que é bom, não é, filhoquerido?”
-“Amadamamã
tenho uma novidade para te contar. Estou prisioneiro em um poste na Praça da
Liberdade. Me pegaram viu? A mim e ao paradoxo.”
-“Prisioneiro dentro de um poste? Na Praça da
Liberdade? Que infelicidência, meufilho! ”
-“Pois é, mamãzinha. Dessa vez me levaram sem nenhuma resistência e se
disserem que agredi alguém não acredite. M’irritei, perdi a paciência e a
liberdade nessa malfadada madrugada de agruras.
Mamã, eles não são confiáveis, ouça bem ai, ó: -Morte aos filhos da
puta, viu? ”
Disse ao se despedir, descontrolando o
gênio agressivo na explosão que revelava dúvidas há se multiplicarem em sua
vida há tanto tempo, que até mesmo o esquecimento já não as apagariam.
Questões sobre o instinto de mãe que, lento,
voltava a pulsar no seio certo e firme, naqueles instantes.
Segunda parte: AMANHECER DE UM DIA ESPECIAL
O dia foi surgindo ensolarado acordando-o antes das oito da
manhã, o que raramente ocorria, pois preferia dormir até mais tarde. Levou a mão ao rosto e esfregou os olhos para
conseguir perceber melhor o sol a rebrilhar no lado de fora, na manhã outonal.
A luz reduzida chegava-lhe pela fenda circular, na extremidade do poste. A
posição não era cômoda e doía-lhe do lado esquerdo. Lembrou-se que em certo
momento - ao revirar o corpo no meio do sono - deu forte com o cotovelo na
parede interna do cubículo onde fora feito prisioneiro, justo no calombo da
emenda das peças com as quais se compõe a cela onde estava, soldando as duas
metades a fim de completar o poste inteiro. Naquele instante procurava apenas a
posição mais confortável para se sentar e, conservando o paletó, afrouxou o nó
da gravata deixando-se, durante alguns minutos, a cismar. Pouco depois o
barulho de passos chamou sua atenção. Em seguida, através da portinhola cravada
no centro da porta feita em chapa de metal e meio enferrujada com a pintura
descascando, ele se punha frente a expressão amarrotada do gordo carcereiro a
falar com o sorriso sadomasoquista na cara embexigada
do homem que se chegara.
-“Bom
dia, seu guerrilheirico de merda! Dormiu mal? ” Perguntou sem pedir
resposta,
-“Dormir? A lombar me dói e não entendo por que, só
sei que ontem não houve briga. ”
-“O
aposento não é grande e nem muito confortável, mas a localização é de muito boa
qualidade. Aliás e de fato, a vizinhança é até boa demais para sacanas que nem
você e fica no centro da metropole, em praça tradicional, tão perto da igreja matriz
que daqui dá para ouvir o sino tocar! ”
Disse aquilo e afastou a careta, deixando a bandeja de lata
amassada com pão e chá de boldo, em seu lugar. Era o café da manhã. Enquanto Romualdo recolhia a refeição, a voz do
homem:
-“O
desjejum é modesto, mas é tudo muito limpo, pois só o responsável pode cuspir.
T’as com sorte, que hoje ele - baixinho
e estrábico - folgou pela manhã. Bom demais até mesmo para um comunistinha sem
vergonha, que nem você, n’é mesmo, “seu filho de uma leitoa? ”
Concluiu
sussurrando com trejeitos e seguiu em frente, deixando ameaças no ar.
Antes de tudo, a ausência de coragem
ameaçava complicar ainda mais o imbroglio.
Calmamente, enquanto refletia sobre as dúvidas daquela madrugada,
passava geleia de morango no pão kocher. Era a sua geleia predileta. A mesa
florida se mantinha farta, bem servida e generosa. Lembrou-se da figura amável
do falecido, seus maneirismos e o modo carinhoso de tratar qualquer questão, de
A a Z. Ar compreensivo a falar-lhe sobre negócios, quando enfrentava sua
expressão espantada, sem entender noções elementares sobre custo &
benefício, renda, lucro ou mais valia.
Enquanto saboreava o pão com geléia, duas lágrimas
inesperadas lhe rolaram pelo rosto e foram salgar o adocicado dos morangos. Em
movimento delicado evitava o choro iminente, chegando o guardanapo de linho na
face de pele bem tratada.
Sobrava acima da toalha rendada, no outro lado da
mesa, a parte superior dos espaldares vazios.
Um, o do assento do filho, o outro, parte da cadeira do
falecido. Jarras de prata com suco e água rebrilhavam sobre a mesa e refletiam
em dobro o rosto ainda fresco da viúva recém estreada no oficio, currículo novo
a ter inicio.
Se a mesa estava bem servida, se seu semblante seguia fresco apesar
dos anos, se o sol atravessava o cortinado de vual agitado pela brisa, era por
conta da generosidade e do senso comercial do falecido.
Passamento
daquele, enriquecimento desta. Outras duas lágrimas rolaram cristalinas.
CONTINUA AMANHÃ, até lá.
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